Punk Alemão: Éramos os Turcos do Amanhã

Fonte: Welt

Tradução de trechos selecionados por Fábio Conatus

No verão de 1978, os punks alemães celebraram seu primeiro festival em Berlin-Kreuzberg. Surgiu o hino de toda uma geração: evocava sonhos de kebab na cidade murada, agentes turcos na Alemanha Ocidental – e todos gritavam “Alemanha, Alemanha”. O que foi isso tudo?

 Gabi Delgado-López Robert Görl

No aniversário da construção do Muro, no verão de 1978, a banda punk de Düsseldorf foi a Berlim. Um dos dois vocalistas era Gabi Delgado-López [à esquerda na foto acima]. Vestia um traje de condutor de tanques do Exército Soviético, o que causou alguns problemas na fronteira com a Alemanha Ocidental e deu uma ideia ao espanhol do Ruhr [outra forma de se referir a Gabi]: se havia na Alemanha Oriental uma organização de massas como a DSF (Amizade Germano-Soviética, na sigla em Alemão), a Ocidental deveria reverenciar os Estados Unidos à sua maneira. Gabi então formou uma banda punk chamada DAF (Amizade Germano-Americana, na sigla em Alemão).

A viagem a Berlim levou a DAF ao primeiro festival alemão de novas bandas no SO36, um antigo cinema em Kreuzberg. São convidados S.Y.P.H, Male, DIN A Testbild, Stuka Pilots, PVC e Ffurs. Iggy Pop e David Bowie passaram por lá. Gabi come doner kebab no palco com seus companheiros de banda e, como desta vez está vestindo um macacão com o símbolo da BRD no bolso da camisa, é atacado como nazista pelos punks de Berlim. Uma procissão de protesto se forma então na fronteira de concreto – embora seis décadas depois ainda não esteja totalmente claro onde termina a raiva sincera contra a desgraça e começa a ironia: sem o Muro, como costumam dizer os veteranos, Berlim Ocidental não seria tão maravilhosa como meio social em que tais subculturas podiam prosperar.

Ulrich Gutmair fala sobre os mitos fundadores de uma nova terceira República Federal. “‘Nós somos os turcos de amanhã’ – New Wave, New Germany” é um livro de Ulrich Gutmair diferente de todas as sagas heroicas sobre o punk na Alemanha Ocidental, que em 1978 substitui o ano de 1968 como força revoluciária ao atacar o rock progressivo ao mesmo tempo que seus integrantes cortavam seus cabelos e estetizavam tudo o que provocava os idosos.

Gutmair olha por cima do muro para o lado oriental de Berlim e, ao mesmo tempo, mais profundamente em seu próprio país a oeste na cidade fechada. Na época, Delgado-López escreveu a canção Kebab Dreams: “Kebab sonha na cidade murada/ Cultura turca atrás do arame farpado/ Nova Izmir está na RDA/ Atatürk é o novo mestre/ Miliyet para a União Soviética/ Um espião em cada lanche bar/ No Comitê Central agente da Turquia / Alemanha, Alemanha, acabou tudo / Somos os turcos de amanhã”. “Kebab Träume” ainda é um enigma cantado hoje. A construção do muro na Alemanha Oriental acabou com o fluxo de trabalhadores de baixa renda para a Ocidental e assim transformou esta em um país multicultural? Quem somos nós, quem são os turcos de amanhã? E quem está gritando “Alemanha, Alemanha” aqui?

A DAF criou um hino, lançado como single em 1980 e como uma versão com guitarra em “Monarchy and Everyday Life” pela Fehlfarben, que transforma a cultura da imigração com medos típicos alemães e narrativas de conspiração em uma obra ainda mais irritante do que letras da DAF com trechos como  “Dance o Mussolini, dance Adolf Hitler, dance Jesus Cristo”. Punk como exorcismo nos então florescentes meios migrantes no Ocidente e no Oriente, onde a juventude está enclausurada. “Tanto aqui quanto ali, há boas razões para se rebelar contra a realidade social”, escreve Gutmair.

Se o punk não é uma moda do final dos anos 70, é uma atitude moderna: “O punk é um movimento anti-identitário que acolhe todos aqueles que são incapazes de aceitar ou simplesmente não querem aceitar as ofertas existentes de identidade”. Bem-vindo!