

Fonte: Herzbrille, 15-1-2020
Por Paula Ablov
O texto a seguir é feito de partes do artigo original em Alemão selecionadas por Fábio Conatus
Quando adolescente, eu era gótica e me encaixava em todos os clichês. Mais tarde, retirei-me da “cena gótica” porque não queria apoiar a abertura à extrema-direita em alguns círculos. Mas então descobri bandas góticas revivalistas e góticos poliltizados e decidi: quero me envolver em vez de me aposentar!
Então você quer ser gótico, hein? Cite uma música gótica!
Quando adolescente, eu não era apenas gótica, eu era o tipo de gótica que descoloria meu rosto com maquiagem de palhaço e usava camadas de renda preta, babados e vestidos de veludo. Blame não era uma banda gótica, mas antes Evanescence. E HIM. Especialmente HIM. Dizer que tenho uma queda por Ville Valo seria um eufemismo. Foram os anos noventa, ok?
Na sétima série, alguém me chamou de gótica e eu imediatamente aceitei o rótulo sem ter a menor ideia do que significava. Meu pai, o velho punk, apenas balançou a cabeça: “Então você quer ser gótico, hein? Cite uma música gótica!” Como eu falhei miseravelmente no teste, ele me mostrou Joy Division e Bauhaus. Meus ouvidos millennials de 14 anos de idade não sabiam o que a música queria de mim. Mas eu poderia começar pela banda The Sisters of Mercy.
E então eu me tornei parte da cena gótica e foi boa essa época. Escrevia poesia romântica sombria, gostava de Tim Burton e caminhar até o cemitério fazia parte da minha rotina de autocuidado.

Os anos noventa, o tempo dos vaga-lumes
A rigor, eu era um “poser” porque consegui passar uma década na cena sem nunca ter ouvido falar de Specimen ou The March Violets. Isso porque eu adquiri meu conhecimento de revistas de música como Orkus e Sonic Seducer e elas obviamente se concentram menos nos anos 80 e 90 e mais em novos lançamentos. E nos anos 2000, não é segredo, não havia muita coisa acontecendo em termos de rock gótico. Era a época do metal alternativo, Aggro-Tech e vaga-lumes [acessórios de luz própria usados nas pistas de dança pelos rivetheads]. Mas o Dein Lakaien também era grande na época e se tornou minha banda favorita. Quando descobri que o cantor de Haare Lakaien, Alexander Veljanov, era alemão-macedônio, fiquei completamente maluca. De repente, tive um modelo pós-imigrante! E graças ao álbum solo de Veljanov “Porta Macedonia”, pelo menos alguns góticos Alman agora sabem onde fica a Macedônia.

Gótico é apolítico? Sem essa!
A partir de 2012 comecei a ficar um pouco entediada com a cena negra. Mas só me distanciei depois do WGT 2013. Em cada esquina ouvia pessoas se revoltando com o feminismo, o antirracismo e a comunidade LGBTI, defendendo os uniformes da SS como parte do estilo gótico [em alguns festivais alemães isso era comum nessa época] e adjetivando todas as bandas de extrema direita como “provocantes ” ou “irônico”. “Gótico é apolítico!” era o slogan e eu não podia subscrevê-lo. Não só porque acho isso unilateral, indiferenciado e errado, mas também porque acredito que essa atitude serve apenas para encobrir tendências de extrema direita na cena. Eu poderia organizar a reunião de tricô mais apolítica do século e ainda expulsar os nazistas se algum aparecesse. A questão não é se o gótico é “inerentemente” político, mas se a comunidade quer ou não tolerar os nazistas. Infelizmente, não encontrei espaço para tais argumentos nesta cena.
Então eu disse adeus. Agora meu cabelo estava rosa e, em vez de camadas de renda, eu usava camadas de estampa de oncinha. Eu ouvia riot grrrl punk e estava principalmente na cena feminista queer. Muitas vezes encontrei ex-góticos lá que também se retiraram da cena por motivos políticos.

O Renascimento Gótico com She Past Away, Lebanon Hanover e companhia
Tudo mudou quando minha parceira me pediu para criar uma lista de reprodução da Batcave para a sua festa de Halloween há dois anos. Ao clicar no universo gótico no Youtube, tive duas percepções:
1. Na minha adolescência gótica, muitos clássicos passaram completamente despercebidos por mim, como Gene Loves Jezebel, Death Cult, Skeletal Family, Virgin Prunes, And Also The Trees ou os já mencionados Specimen e The March Violets. Eu queria dar atenção e eles agora.
2. O rock gótico e o darkwave estão experimentando um renascimento há alguns anos com bandas como She Past Away, Lebanon Hanover, Light Asylum, Selofan, Sixth June ou Angels of Liberty e eu não percebi nada disso! Essas bandas góticas estão abertas às suas influências dos anos 80, ousam cruzar as fronteiras dos gêneros e vestem o pós-punk e o darkwave com um disfarce moderno. Eles provaram que gótico, ao contrário do que dizem muitos jornalistas musicais, não está nada morto.

Lá estão eles, os góticos politizados!
Mas também descobri outra coisa: a comunidade gótica online baseada nos Estados Unidos.
Essa comunidade parecia muito mais aberta a questões políticas. Meu palpite é: é porque nos EUA é muito mais comum e considerado normal falar sobre racismo. Isso não significa que haja menos merda acontecendo lá, apenas significa que há uma cultura de discurso diferente por razões históricas. Talvez seja também porque o Death Rock, mais ancorado no punk político, está em casa nos EUA. Mas isso é apenas especulação. De qualquer forma, a vontade de falar sobre o elefante na sala parece ser maior nesta comunidade. Sou um grande fã do podcast “Cemetery Confessions” e o recomendo a todos os góticos que entendem bem o inglês e desejam um exame crítico da subcultura. O anfitrião já falou com vários convidados, incluídos especialistas sobre sexismo no industrial/EBM e exclusões racistas na cena e pessoas por isso afetadas, recomendou músicos góticos/pós-punk menos conhecidos (por exemplo, Scary Black e Special Interest), deu às pessoas trans o espaço para falar sobre sua abordagem da subcultura e promoveu um episódio tentando responder à pergunta: o gótico é político? (Spoiler: é complicado.) Mas mesmo que se esteja apenas revisando um novo álbum ou conversando com o co-apresentador sobre os primeiros dias da Batcave, é muito revigorante ver o nível de reflexão, compromisso e entusiasmo nerd que existe neste projeto.

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Não ouviu ainda nada sobre o revival gótico? Confira a minha playlist.