Viva o livro!

 

Fonte: http://cultura.updateordie.com (Desativado. Acesso em primeiro de novembro de 2009)

Era para ser Dia de Comemoração. Otimista que sou, confesso, aguardei até há poucos instantes um bom motivo oficial para festejar. É claro que deveria haver ao menos uma boa razão para se comemorar! Imagina se não?! Cacoete inerente de jornalista, passei o dia de vigília nos sites da Agência Brasil, do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério da Cultura (MinC) em busca de boas, alvissareiras e urgentes notícias. Nada. Será que se esqueceram da data, ou só das “boas noticias”? Será que apenas os poucos “gatos pingados” que apareceram em meu e-mail felicitando lembraram da data? Claro que não… Imagina pensar que os órgãos oficiais esqueceriam! Esqueceram.

Esqueceram que hoje é o “Dia Nacional do Livro”, escolhido justamente por ser a data de aniversário da Fundação da Biblioteca Nacional, que nasceu com a transferência da Real Biblioteca Portuguesa para o Brasil, em 29 de outubro de 1810. Repito: 1810 (!) Duplo aniversário: do livro e da mais importante biblioteca da América Latina, com acervo calculado hoje em cerca de nove milhões de itens. Nenhuma notinha sequer nos principais sites oficiais do País, quanto mais um grande “plano nacional de incentivo à leitura”. Eu avisei: sou otimista.

Pera lá, excelentíssima dona Kelly… é claro que o Brasil tem um Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL). Não só tem como serve (segundo o ministério) para assegurar a democratização do acesso ao livro, o fomento e a valorização da leitura e o fortalecimento da cadeia produtiva do livro como fator relevante para o incremento da produção intelectual e o desenvolvimento da economia nacional. Uffa! A descrição é linda, de emocionar. Sim, é verdade, e diz também que o PNLL é um conjunto de políticas, programas, projetos, ações continuadas e eventos empreendidos pelo Estado e pela Sociedade para promover o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas no Brasil.

Será que mudei para Marte e não sei? Cadê tudo isso? Alguém viu todas essas ações em prática? E se alguma delas ocorreu em escala, com a dimensão que o país precisa, houve divulgação à altura?

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O livro foi esquecido hoje, assim como vem sendo esquecido sempre. Essa falta de memória é a tal da “dívida histórica que o Brasil tem com o livro e a leitura”, como mencionou nosso ministro da Cultura, Juca Ferreira, durante o 21º Fórum Nacional Mais Livro, Mais Leitura nos Estados e Municípios, no início do mês. Prestem atenção: segundo palavras do ministro, houve um “razoável abandono dessa área no país”. Ok. Imagino que nenhum leitor deste Blog tenha “enfartado” com tamanha “constatação”. É óbvia, e esbarramos o tempo inteiro com ela. Mas ainda deprime, especialmente quando comparamos nossos números com os de outros países nem tão desenvolvidos assim. O próprio ministro da Cultura disse, no tal evento, que a tiragem média de um livro no Brasil é de 5 mil exemplares. Em Cuba, por exemplo, cada título tem tiragem de 100 mil.

O secretário executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), José Castilho Neto, disse que o povo brasileiro não pode ficar à margem do direito à leitura. “Era chegada a hora de o brasileiro exercer seu direito à leitura, esse direito somado a outros direitos fundamentais e civis, poderiam levar o país à plena cidadania.”
Como Senhor secretário? Dá para nos explicar como o Estado pensa em compensar essa falha histórica?

Além de otimista (agora nem tanto), também sou curiosa e fui buscar outros dados na esperança de passar aos leitores da Cultura algum número mais positivo. Afinal, o dia deveria ser de festa. Mergulhando no calhamaço de 243 páginas do “Cultura em números 2009”, o anuário de estatísticas culturais do MinC, dei de cara com:

* Apenas 16,4% dos municípios brasileiros realizaram feiras de livros nos 24 meses anteriores à pesquisa
* Menos de 20% dos municípios declararam realizar concursos de literatura
* Apenas 34% dos municípios brasileiros possuem livrarias.
* O porcentual de municípios brasileiros com livrarias decresce, acumulando queda de 15,5% no período 1999 e 2006.
* Só 25% dos municípios brasileiros possuem centros culturais.
* Cerca de 90% dos municípios possuem bibliotecas públicas (e fica aqui registrado o esforço do Governo neste sentido), mas, a distribuição entre Estados e municípios é drástica. Dois Estados apresentaram as maiores quantidades de bibliotecas públicas: Minas Gerais e São Paulo. Alguns Estados da Região Norte apresentaram números muito reduzidos como Roraima, por exemplo, que tem apenas 4 unidades.

Já no finalzinho da escrita deste texto, perto das 18h00, o Ministério da Cultura adicionou finalmente (aleluia!) uma notinha bem “inha” sobre o Dia Nacional do Livro. Entre as “importantíssimas” informações consta que o primeiro livro impresso no Brasil foi “Marília de Dirceu”, de autoria do inconfidente Tomás Antônio Gonzaga, publicado em 1812. Outra informação é que o Ministério, por meio de suas Secretarias e instituições vinculadas, mantém uma política pública para o segmento do Livro, Leitura e Literatura.

E é só. Nenhum lançamento fantástico, nenhuma campanha de incentivo, nenhuma ação, enfim, para melhorar os indicativos de leitura do País. Ainda que otimista, é claro que não esperava nenhuma grande “revolução napoleônica” em prol da leitura no dia de hoje. Mas, pensei que talvez a data abrisse espaço para dialogar um pouco mais sobre o que o governo tem feito na prática, e, especialmente, o que não tem feito para incluir o livro na vida dos brasileiros. Me iludi achando que hoje viria algo mais do que sempre vem, algo mais do que discursos comoventes feitos em encontros esporádicos. É preciso mais.

Enquanto isso, os resultados estão aí, escancarados para quem quiser ver: gasto anual familiar médio em livros de R$ 11,00… 65 milhões de brasileiros não tem o ensino fundamental completo… etc, etc. etc.

Viva o Livro!