Expressionismo

As “telas demoníacas” invadem o Rio

Tribuna da Imprensa, 27-7-1999

Marco Antonio Barbosa

Expressionismo (do latim “expressione”) S.M. 1. Art. plas.
Arte e técnica de pintura, desenho, escultura, etc., que tende
a deformar ou exagerar a realidade por meios que expressam
os sentimentos e a percepção de maneira intensa e direta.
(…) P. Ext. Qualquer manifestação artística em que o
conteúdo emocional e as reações subjetivas exercem forte
domínio sobre o convencionalismo e a razão.

É assim que o Aurelião define a corrente estética que
dominou as artes alemãs do começo da década de 10 até os
fins dos anos 20, iniciado na literatura e na pintura,
espalhado pelo teatro e finalmente desembocando no cinema
– e as imbricações do expressionismo pela sétima arte da
Alemanha, que ainda ecoam até hoje em filmes tão diversos
quanto “Matrix” ou “Barton Fink”, são o mote para um
extenso ciclo que o Centro Cultural Banco do Brasil, (…)

O título da mostra foi emprestado de uma coletânea de
ensaios de Siegfried Kracauer, hoje um livro clássico de
teoria de cinema, que relaciona a influência do
expressionismo no cinema alemão com a formação da
ideologia nazista no país, no período de entre-guerras (1918-
1939). Os escritos de Kracauer postulam que o caráter
sombrio e distorcido dos filmes expressionistas preconizam o
terror impingido pela ascensão de Hitler ao poder.

Filmes e palestras mostram como a caótica situação
institucional da Alemanha influiu no cinema daquela época,
conforme explica o crítico Carlos Alberto Mattos, que assina
o texto de apresentação do evento: “Os anos 10 começaram
sob o signo do esplendor imperial, sucedido pela guerra e,
finalmente, por miséria e incertezas”. Nos escritos de
Kracauer, o filme “O gabinete do Dr. Caligari”, de 1919, –
marco zero do cinema expressionista – fornecia a metáfora
ideal para a situação do povo alemão naquele período: um
sujeito inocente (os alemães) que, hipnotizado por um
místico cruel (Hitler), cometia crimes hediondos sem se dar
conta do que fazia (a guerra, o Holocausto).

“‘O gabinete do Dr. Caligari’ se tornou o exemplo de uma
premonição para Kracauer, que via ali o início de uma linha
evolutiva que via desaguar na Alemanha hitlerista”, explica
Carlos Alberto Mattos.

O filme já continha os signos básicos do expressionismo nas
telas. Interpretações carregadas, não-naturalistas, de forma a
enfatizar a “expressão” dos sentimentos; cenários
construídos em perspectivas estranhas e tortuosas;
fotografias e iluminação baseadas em jogos de sombras.
Opressão e angústia vertendo através de signos imagéticos
distorcidos, e contraposições visuais de claro e escuro – era
o que se via nos mais característicos filmes do período,
como a série “Dr. Mabuse”, de Fritz Lang, “Nosferatu”, de
F.W.Murnau, “Sombras”, de Arthur Robinson, ou “M, o
vampiro de Dusseldorf (também de Lang), todos incluídos
na mostra.

A chegada do cinema sonoro no fim dos anos 20 e o término
da República de Weimar (substituída pela subida de Hitler
ao parlamento alemão) marcariam o fim do expressionismo
como reflexão da sociedade no cinema. No lugar da
escuridão distorcida, a alienação em todo o seu esplendor
seria a tônica – como visto no antológico “O trinunfo da
vontade” (1935) no qual Leni Riefenstahl capturou o
irresistível fascínio que Adolf Hitler exercia sobre as massas.

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Trecho extraído de “O
Expressionismo”, de Roger Cardinal (Ed. Jorge
Zahar, 1a ed., 1988, p. 24-26):

Eu poderia chamar de “expressiva” àquela
obra que me transmitisse eficazmente um
grande suprimento de emoções. Mas se uso o
adjetivo “expressionista”, quero com isso dizer
que a obra em questão se manifesta sua
capacidade expressiva de forma amplificada,
dando ênfase à impressão em plenitude e em
profundidade. Van Gogh escreveu: “Eu quero
que meus desejos atinjam as pessoas, a fim de
que elas digam a respeito do meu trabalho:
‘Este homem sente profundamente’.
Uma definição preliminar da obra
expressionista é, então a de que se trata de uma
obra que faz com que o fator de expressão seja
dramático e visível. É um trabalho em que a
função expressiva é tão ressaltada que as
ressonâncias emocionais são sob formas
excepcionalmente vigorosas.
(…) O movimento moderno do
Expressionismo, que é objeto deste livro, pode
ser visto simplesmente como a mais recente –
embora seja de certo a mais veemente –
afirmação desse princípio de retorno às
verdadeiras fontes do sentimento, um
alinhamento a criatividade com os impulsos
profundamente emocionais e instintivos no
homem.
O Expressionismo moderno, portanto,
representa uma versão peculiariamente urgente
da necessidade perene do artista de se
expressar sem restrições. Seus antecedentes
imediatos são as declarações irracionalistas e
instintuais de um Nietzsche, as transcrições
poderosas da vida íntima agitada nas últimas
pinturas de Van Gogh, os gestos altamente
cênicos de Strindberg.
(…)
Esse modelo está relacionado com o
princípio concomitante da intensidade, outro
elemento-chave do credo expressionista.
“Emoções intensas expressas intensamente”
pode ser o lema do artista expressionista.
Enquanto uma visão sucinta da arte
expressionista como um todo poderia mostrar
que reflete uma estética de espontaneidade, por
meio da qual o sentimento simplesmente
transborada sob formas não programadas, a
tendência geral do Expressionismo moderno
demonstra uma deliberada acentuação do
caráter afetivo do trabalho, sublinhando
intencionalmente o gesto expressivo. Em vez
de improvisar uma forma irrefletida e deixar os
sentimentos emergirem casualmente, o
expressionista tende a conduzir seus
sentimentos a formas extremas, fazendo um
jogo enfático com suas emoções em uma
performance orientada para o público.